Há uma dicotomia que gostava de explorar aqui, de um prisma diferente do que foi feito já inúmeras vezes. Analisemos o Amor Trágico e o Amor Feliz - chamemos-lhe assim. Peçam a um escritor para escolher e que venha o Amor Trágico numa bandeja. Ele não quer saber se têm jeito, se não têm. Ele quer é que chorem baba e ranho, e despejem a raiva numa folha de papel, numa guitarra, numa tela ou até num jogo de futebol. O Amor Trágico passa o dia a ouvir rádio para encontrar uma letra de uma música com que se identifique; lê livros até cansar a vista para se resumir a si próprio numa frase; procura em todo o lado pequenos pormenores que lhe provem que não está só no mundo, na sua grande e inefável tristeza.
O Amor Feliz não. O Amor Feliz é um íman. Atrai tudo o que o Amor Trágico faz questão de dificultar. Não enche medidores de desabafos, não fertiliza o negro e o azedume que paira na criatividade, põe-te um sorriso na cara e ainda faz os dias mais bonitos. Não pede nada em troca e ainda te cumprimenta todas as manhãs.
O Amor Trágico faz chover no Inverno e no Verão. Escolhe roupas mal combinadas, obriga-te a ir com elas e a arrepender-te a meio caminho. Leva-te a escolhas mal ponderadas e a arrependimentos de palmo e meio. Traz-te sem nada na mão e deixa-te à porta de casa sem chave para entrar. Pior, tu gostas. E repetes. Não queres sair da rotina porque é aquela a que estás habituado.
O Amor Feliz deixa-te tão hipnotizado que nem reparas como chegas a casa tão depressa. Esqueces-te da chave mas a porta está encostada, por sorte. Ficas com desejo de Bolo Rei e, por sorte, está um por abrir na mesa da cozinha. Vais-te deitar na cama feita com lençóis lavados e, por sorte, já aberta. No fim, nem te ocorre pensar sobre a sorte que tiveste, durante o dia.
O Amor Trágico faz-te passar Noites Difíceis, culpa-te a ti e os outros por não conseguires adormecer, e ainda define o despertador para te acordar mais cedo que o previsto. Despenteia-te da forma mais irresolúvel possível e desenha-te as maiores olheiras da turma. Chama-te tudo, menos pelo teu nome. Tu agradeces. Mas não adormeces. Querias. Mas não adormeces. Direita, esquerda, direita outra vez, desespero e uma volta na varanda. O quente da cama ajuda. O Amor é que não.
O Amor é fodido, dizia o MEC. Quem o fodeu fomos nós, digo eu.
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Há 3 anos