Acende-se um candeeiro na rua escura, iluminando o caminho que percorres, taciturna. Fito-te, sentado no banco do jardim. Conto os segundos - que fazem o velho truque de parecerem horas - que demoras a alcançar-me. Os espaços verdes que vais ultrapassando perdem relevância em tua função. Tenho visão afunilada, quando nela estás centrada, a paisagem tende a escapar-me. E tenho-me como bom observador. Acenas e sorris, e assim me fazes a mão, apoiada no banco, tremer. Talvez o banco tenha tremido, talvez tenhas reparado, evoluíste o sorriso para riso, e a minha ansiedade em felicidade.
Dás-me um beijo com carinho, como as mães dão, perguntas-me se está tudo bem. Agora está, apeteceu-me segredar.
O candeeiro que tinha renascido voltou a sucumbir, entretanto. Pergunto-te se foste tu, farto de saber que se apagou por estar longe de ti. Resmungas qualquer coisa imperceptível, e, reparando na minha cara, ris-te. Não percebes nada, tonto, ele tem ciúmes teus. Quis chamar-me à atenção quando passei por ele, porque sabia que eu vinha para aqui. Os candeeiros são tramados. Tramada estás tu, depois de me contares esse segredo. Tu e o candeeiro.
Desenhei uma serra no horizonte e mil vivendas com luzinhas, cheias de borboletas - já tinhas visto tantas borboletas a esta hora? Nem eu - para dar um toque romântico à noite. Meti uma lua cheia, bem grande, e 130 estrelas no céu. Contei-as duas vezes, só para ter a certeza que eram mesmo 130. Dizem os velhinhos que contar estrelas provoca o aparecimento de cravos. É por uma boa causa, arrisco. O céu azul petróleo e o banco verde, onde estamos, de madeira gasta e suportes velhos. Ameaça ruir a qualquer segundo, mas confio que a resistência nos aguente, afinal de contas não somos assim tão pesados. Senhor Banco, gostávamos de passar uns minutos aqui sentados, será que nos permite? O candeeiro meteu cunha para que eu me partisse, mas não vos faria tal coisa. Pisco o olho ao candeeiro e ficamos sentados, horas e horas, dias e noites, anos e vidas. Levantamo-nos, dormentes, e guardas-te por baixo do meu braço em direcção a casa. Ao passar pelo candeeiro aproveito para lhe deixar um pontapé, pequenino, só a tirar um bocadinho de tinta. Rui, comporta-te. Um beijo, agora, só para ele ficar irado, pode ser? Se fica irado por um beijo, vai sofrer a vida inteira. Isso é uma ameaça? Não, é uma inevitabilidade.